sexta-feira, 20 de agosto de 2010

MOLEQUE BREJEIRO

Nada como gente para ensinar gente. O ser humano mesmo cheio de defeitos, tem sempre o que ensinar, porque todos nós somos observados sempre, e a virtude dos outros é sempre um espelho para aqueles que se encontram abertos ao aprendizado. O exemplo vivificado na prática, é o que realmente fica marcado, e tem o grande poder da transformação. Na minha infância, na fazenda, tinha um vizinho, uns quinze anos mais velho do que eu, filho adotivo de um casal de fazendeiros, que o criou cheio de mimos. Ainda cedo perdeu o pai e a mãe não dava conta de o corrigir. Ele não gostava de trabalhar, passava às tarde tocando violão, cantando e bebendo cachaça; levava tudo na brincadeira, era alegre, extrovertido mas muitas vezes era motivo de pequenas divergências nos locais onde frequentava. Nós tínhamos uma mercearia onde se vendia de um pouco de tudo, inclusisve a cachacinha que o meu amigo adorava. Era naquela época em que moravam muitas famílias nas fazendas.
Onde eu nasci e cresci era como um vilarejo com muitos moradores, e todos se conheciam muito bem. Na venda do seu João, meu pai, era o lugar preferido dos encontros de domingo, principalmente depois do jogo de futebol, onde a turma se reunia pra contar vantagem e tomar umas e outras. Esse meu amigo era constantemente motivo de bronca dos colegas, do meu pai e também de mim. Apesar de ser bem mais jovem que ele, insistia muito para que ele mudasse, na esperança tola de que ele se corrigisse e assumisse as suas responsabilidades. Não ligava em pagar as contas,estava sempre endividado, quase não trabalhava e quando o fazia, chegava com o dinheiro da semana e gastava tudo no sábado, com os outros e com ele mesmo. E no domingo ja estava dependendo dos colegas para jogar comer, berber e jogar sinuca,que adorava. Ele não tomava jeito. Então o que se via era muitas tentativas de humilhá-lo, e tinha pessoas que adoravam fazer isso. Então eu pensava: Puxa vida! Essa ele não vai perdoar, engano meu, no outro dia, ele estava lá, como se nada tivesse acontecido. Quando eu falava alguma coisa para alertá-lo de sua irresponsabilidade, ele ria, levava tudo na brincadeira. Cresceu assim, tornou-se adulto assim, mas não guardava rancor de ningúem. Era no fundo, de bom coração, generoso com os outros. Nunca soube administrar a sua vida. O que eu quero destacar aqui, apesar dos defeitos, era esse seu lado benevolente, caridoso e amigo de todos, até daqueles que constantemente o humilhavam e o hostilizavam perante os outros. Ele era o muleque brejeiro, o saçi Perêrê, mas sempre capaz do esquecimento das ofensas e da reconciliação, como nenhum outro. Todas as vezes que eu vi acontecer de algúem se sentir magoado, ou eu mesma me sentir assim, eu reportava a imagem de quem sempre passava por cima, e ainda passa, pois ele continua até hoje do mesmo jeito. Eu ficava impressionada dessa capacidade de não guardar rancor, pois me lembro de ficar sempre grata quando eu também excedia nos excessos em chamar a sua atenção, e ele passava por cima, esquecia e perdoava. Não tenho dúvida de que, eu, que pensava poder ensiná-lo alguma coisa, é que tinha muito a aprender. Obrigada meu amigo.

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